Todos vamos morrer de alguma coisa. A culpa cai no órgão que pifou primeiro, mas o processo de envelhecimento não atinge um único órgão, ele destrói aos poucos todas as partes do corpo. Os idosos têm problemas de memória, locomoção, visão, audição e coração, mas se o órgão que pifa primeiro é o coração, dizemos que morreu do coração, não de velhice. Para entender o envelhecimento é preciso identificar o processo que destrói nossos órgãos. Muito se fala sobre o que ocorre com pessoas que vivem mais, mas os resultados mais interessantes foram obtidos estudando doenças que causam o envelhecimento precoce.
Pessoas com a síndrome de Cockayne envelhecem rapidamente e morrem aos 20 anos. Esse envelhecimento ocorre em todos os órgãos. A visão e a audição se deterioram, a memória fica fraca, o sistema vascular, o fígado e o rim deixam de funcionar aos poucos. Em alguns casos, esse processo começa logo após o nascimento e a morte acontece aos 10 anos de idade. Nessas pessoas, um gene responsável pelo reparo do DNA é defeituoso.
Cada uma de nossas células tem duas cópias de nosso genoma, cada uma com aproximadamente 3 bilhões de subunidades, enfileiradas em longas cadeias de DNA. É no DNA que estão as instruções necessárias para manter nossas células funcionando. O problema é que, a cada dia, em cada uma de nossas células, até 100 mil dessas subunidades do DNA são lesionadas. E, se esses erros não forem corrigidos, eles vão se acumulando. Em todos os seres vivos há sistemas que reparam esses erros, substituindo as bases lesionadas. Esse é um sistema eficiente, capaz de corrigir mais de 99% dos erros.
Cientistas acreditam que o processo de envelhecimento se deve ao acúmulo desses erros ao longo dos anos. É por esse motivo que pessoas que têm falhas no sistema de reparo de DNA envelhecem mais rápido. Nelas, como as com síndrome de Cockayne, os erros se acumulam rapidamente e o envelhecimento vem cedo.
Nos últimos anos, os cientistas modificaram o genoma de camundongos, removendo alguns dos genes envolvidos no reparo de DNA. Esses camundongos envelhecem rapidamente e têm vida curta, são camundongos com a síndrome de Cockayne. Também durante os últimos anos, os cientistas descobriram que uma restrição no número de calorias ingeridas prolonga a vida. A razão, porém, é pouco conhecida.
E agora, a grande novidade. Em um experimento que provavelmente vai se tornar um clássico, um grupo de cientistas demonstrou que a restrição alimentar melhora o reparo de DNA e prolonga a vida. Para isso, usaram os camundongos com síndrome de Cockayne. Esses animais morrem com 4 ou 5 meses de vida e são criados com extremo cuidado. Mas os cientistas resolveram deixar esses pequenos roedores mutantes passar fome. A partir das 5 semanas de vida, os cientistas foram gradualmente reduzindo a quantidade de calorias fornecida como alimento. A redução total chegou a 30%.
Os camundongos-controle (comida liberada) morriam, em média, 10 semanas após o nascimento. Já aqueles que recebiam menos alimento viviam em média 35 semanas. Esse é um aumento incrível, de 3,5 vezes ou 250%. É como se a vida de um ser humano fosse aumentada de 80 para 280 anos. Ou, para fazer uma comparação mais correta, é como se uma pessoa com síndrome de Cockayne, em vez de morrer aos 20 anos, morresse aos 70.
Os cientistas compararam o processo de envelhecimento desses dois grupos de camundongos. Ele é retardado em todos os órgãos. A memória e o equilíbrio pioram mais tarde, o sistema imune envelhece mais lentamente, e assim por diante. O jejum ainda melhora a atuação do sistema de reparo de DNA nesses animais.
Esse resultado reforça a conclusão de que o sistema de reparo de DNA é provavelmente o culpado pelo nosso envelhecimento e explica por que a restrição alimentar alonga a vida dos animais. De alguma maneira, a fome facilita o trabalho do sistema de reparo de DNA. Não sabemos se acontece uma redução no número de lesões ou um aumento na eficiência do reparo.
Essa descoberta abre a porta para o desenvolvimento de drogas ou modificações genéticas capazes de melhorar nosso sistema de reparo de DNA, retardando o envelhecimento e alongando a vida. O interessante é que existem microrganismos com sistemas de reparo tão eficientes que são capazes de viver em ambientes radioativos. Imagine um ser humano com esse sistema de reparo, será que viveria 300 anos?
MAIS INFORMAÇÕES: RESTRICTED DIET DELAS ACCELERATED AGEING AND GENOMIC STRESS IN DNA-REPAIR-DEFICIENT MICE. NATURE VOL. 537 PAG. 427 C2016
FERNANDO REINACH É BIÓLOGO